Pires do Rio

CNJ afasta magistradas que impediram aborto legal de menina de 13 anos em Goiás

Conselho Nacional de Justiça instaura processo disciplinar contra juíza e desembargadora por negar direito previsto em lei a adolescente vítima de estupro
CNJ afasta magistradas que impediram aborto legal de menina de 13 anos em Goiás
CNJ afasta magistradas que impediram aborto legal de menina de 13 anos em Goiás

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por unanimidade, afastar cautelarmente a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, titular do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, e instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) contra ela e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Ambas são investigadas por impedir o acesso ao aborto legal de uma adolescente de 13 anos, vítima de estupro em 2024.

Entenda o caso

Em maio de 2024, uma menina de 13 anos, grávida após ser estuprada aos 12, procurou o Hospital Estadual da Mulher (Hemu) em Goiânia para realizar o aborto legal, conforme previsto na legislação brasileira em casos de estupro. O hospital, no entanto, exigiu autorização dos pais ou decisão judicial para proceder com o aborto.

A juíza Maria Socorro autorizou a interrupção da gravidez, mas impôs restrições que inviabilizaram o procedimento. Ela proibiu o uso de métodos que induzissem a morte do feto, como a assistolia fetal, técnica necessária para o aborto em estágios avançados de gestação. A magistrada baseou-se em uma resolução do Conselho Federal de Medicina que, à época, já havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) .

Dias depois, a desembargadora Doraci Lamar concedeu liminar suspendendo integralmente o aborto, atendendo a pedido do pai da menina, que alegou que os atos foram “consensuais”, desconsiderando que, segundo o artigo 217-A do Código Penal, qualquer relação sexual com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, independentemente de consentimento .

A adolescente só teve seu direito garantido em setembro de 2024, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da ministra Maria Thereza de Assis Moura, autorizou o procedimento, reconhecendo a ilegalidade das decisões anteriores .

Decisão do CNJ

A decisão do CNJ, tomada em 16 de maio de 2025, atende a representação da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que denunciou o caso como violência institucional. O plenário do Conselho, sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, determinou o afastamento cautelar da juíza Maria Socorro de suas funções na Vara da Infância e Juventude, permitindo que ela atue em outras jurisdições. Já a desembargadora Doraci Lamar responderá ao PAD sem afastamento de suas funções .

O processo disciplinar pode resultar em sanções que vão desde advertência até a perda do cargo, caso sejam confirmadas as infrações disciplinares.

Repercussão

O caso gerou ampla mobilização social e foi denunciado por organizações de defesa dos direitos das mulheres e da infância como exemplo de violência institucional. A psicóloga Cida Alves, coordenadora do coletivo feminista “Bloco Não é Não”, afirmou que a decisão do CNJ representa uma conquista significativa: “Foi uma peleja danada para garantir o direito da menina. A decisão do CNJ é uma grande conquista porque não aceitamos mais violências contra crianças, muito menos violências institucionais decorrentes de sentenças de juízas e magistradas” .

O caso também expôs a atuação de redes antiaborto que pressionaram a adolescente a manter a gestação, mesmo diante de seu direito legal ao aborto, e posteriormente a abandonaram, conforme reportagens investigativas .

Contexto legal

No Brasil, o aborto é legal em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia fetal, conforme decisões do STF. O artigo 217-A do Código Penal considera estupro de vulnerável qualquer ato sexual com menores de 14 anos, independentemente de consentimento.

A atuação das magistradas, ao impor restrições e suspender o procedimento, contrariou esses preceitos legais e foi considerada uma violação dos direitos da adolescente.

A decisão do CNJ de afastar a juíza Maria Socorro e instaurar processo disciplinar contra ela e a desembargadora Doraci Lamar reforça a importância da observância estrita dos direitos legais das vítimas de violência sexual. O caso evidencia a necessidade de vigilância contínua sobre as práticas institucionais que podem representar obstáculos ao acesso a direitos fundamentais, especialmente para populações vulneráveis como crianças e adolescentes.

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