O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por unanimidade, afastar cautelarmente a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, titular do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, e instaurar processo administrativo disciplinar (PAD) contra ela e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Ambas são investigadas por impedir o acesso ao aborto legal de uma adolescente de 13 anos, vítima de estupro em 2024.
Entenda o caso
Em maio de 2024, uma menina de 13 anos, grávida após ser estuprada aos 12, procurou o Hospital Estadual da Mulher (Hemu) em Goiânia para realizar o aborto legal, conforme previsto na legislação brasileira em casos de estupro. O hospital, no entanto, exigiu autorização dos pais ou decisão judicial para proceder com o aborto.
A juíza Maria Socorro autorizou a interrupção da gravidez, mas impôs restrições que inviabilizaram o procedimento. Ela proibiu o uso de métodos que induzissem a morte do feto, como a assistolia fetal, técnica necessária para o aborto em estágios avançados de gestação. A magistrada baseou-se em uma resolução do Conselho Federal de Medicina que, à época, já havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) .
Dias depois, a desembargadora Doraci Lamar concedeu liminar suspendendo integralmente o aborto, atendendo a pedido do pai da menina, que alegou que os atos foram “consensuais”, desconsiderando que, segundo o artigo 217-A do Código Penal, qualquer relação sexual com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, independentemente de consentimento .
A adolescente só teve seu direito garantido em setembro de 2024, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da ministra Maria Thereza de Assis Moura, autorizou o procedimento, reconhecendo a ilegalidade das decisões anteriores .
Decisão do CNJ
A decisão do CNJ, tomada em 16 de maio de 2025, atende a representação da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que denunciou o caso como violência institucional. O plenário do Conselho, sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, determinou o afastamento cautelar da juíza Maria Socorro de suas funções na Vara da Infância e Juventude, permitindo que ela atue em outras jurisdições. Já a desembargadora Doraci Lamar responderá ao PAD sem afastamento de suas funções .
O processo disciplinar pode resultar em sanções que vão desde advertência até a perda do cargo, caso sejam confirmadas as infrações disciplinares.
Repercussão
O caso gerou ampla mobilização social e foi denunciado por organizações de defesa dos direitos das mulheres e da infância como exemplo de violência institucional. A psicóloga Cida Alves, coordenadora do coletivo feminista “Bloco Não é Não”, afirmou que a decisão do CNJ representa uma conquista significativa: “Foi uma peleja danada para garantir o direito da menina. A decisão do CNJ é uma grande conquista porque não aceitamos mais violências contra crianças, muito menos violências institucionais decorrentes de sentenças de juízas e magistradas” .
O caso também expôs a atuação de redes antiaborto que pressionaram a adolescente a manter a gestação, mesmo diante de seu direito legal ao aborto, e posteriormente a abandonaram, conforme reportagens investigativas .
Contexto legal
No Brasil, o aborto é legal em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia fetal, conforme decisões do STF. O artigo 217-A do Código Penal considera estupro de vulnerável qualquer ato sexual com menores de 14 anos, independentemente de consentimento.
A atuação das magistradas, ao impor restrições e suspender o procedimento, contrariou esses preceitos legais e foi considerada uma violação dos direitos da adolescente.
A decisão do CNJ de afastar a juíza Maria Socorro e instaurar processo disciplinar contra ela e a desembargadora Doraci Lamar reforça a importância da observância estrita dos direitos legais das vítimas de violência sexual. O caso evidencia a necessidade de vigilância contínua sobre as práticas institucionais que podem representar obstáculos ao acesso a direitos fundamentais, especialmente para populações vulneráveis como crianças e adolescentes.
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